Dica 8 – Treinamento

(por Richard Paul Dunner)

Acabo de vivenciar dois exemplos de excessos de esforço com amigos do pedal, onde em um dos casos ocorreu sintomas de “overtraining” e em outro caso ocorreu uma taquicardia por esforço excessivo, isto depois de uma longo período sem treinamento.

Vendo que faltam alguns conhecimentos de base e também depois de mais alguns e-mails pedindos conselhos e dicas para treinamento, achei que era hora de desmisitificar o assunto.

Exame médico
O primeiro passo, antes de qualquer programa de treino, deve ser verificar a nossa condição física. Isto significa ir ao médico para um check up e fazer um exame ergométrico para verificar se não existe algum problema físico.

Estando tudo em ordem, ou sob controle, posso començar a pensar no treinamento.

Principios básicos de treino
Relativo ao treinamento, o meu sistema é empírico. Ao longo dos anos cheguei a conclusão, e isto vale para qualquer esporte, que o mais importante é o foco no volume, na frequência e na intensidade.

Frequência/Volume
No meu caso tenho uma boa base, onde já venho pedalando há décadas. Pedalo entre rolo e estrada por volta de 6 a 7 horas por semana (ou 150 a 200 km). Isto representa de 300 a 360 horas por ano (ou 8.000 a 9.000 km). As cifras já incluem os breves do ano.

Os treinos não precisam ser muito longos. Fora das provas e brevets, raramente pedalo 100 km ou mais.

Intensidade
Os famosos treinos ralando o maior tempo a “100 por hora” para supostamente conseguir aumentar a capacidade aeróbica não serve para ninguém. Nem para nos os ciclistas de longa distância nem para os ciclistas profissionais.

Primeiro defina a sua frequencia cardíaca máxima (Fc max)* a não ser ultrapassada. O cálculo teórico é o seguinte:

220 – idade = frequencia cardíaca máxima (Fc max)

Exemplo: No meu caso 220 – 59 = 151 batidas por minuto.

Para medir a frequencia cardíaca use um Polar ou outro monitor cardíoco confiável disponível no mercado.

Nos casos com limitações, como hipertensão ou casos de diabetes o aparelho é indispensável.

Durante um bom treino, somente em casos excepcionais deveria-se ultrapassar 80 % deste valor. Isto representa, no meu caso, 130 batidas por minuto.

Na prática, dependendo do grau de treino, a Fc máx fica abaixo da Fc máx teórica quando a pessoa é sedentaria, mas fica acima da Fc máx teórica com pessoas bem treinadas.

O verdadeiro nível somente pode ser definido com um teste de V02. Mas para o nosso propósito o nível teórico serve.

Para quem desejar se aprofundar mais no assunto veja os seguintes links:

http://bhrace.wordpress.com/2010/01/15/controle-da-intensidade-frequencia-cardiaca/

http://helpprofessor.blogspot.com.br/2011/06/as-5-zonas-alvo-da-frequencia-cardiaca.html

No segundo link achamos uma interessante tabela de níveis de esforço, que podemos usar como referencia:

Tabela: Zona / Intensidade

Zona Intensidade
Actividade Moderada 50-60% da FcM
Controle de peso 60-70% da FcM
Aeróbica 70-80% da FcM
Limiar Anaeróbico 80-90% da FcM
Esforço Máximo 90-100% da FcM

Publicada por Prof. Claudio Bolanho

*batida cardíaca a partir da qual o meu corpo vai produzir ácido láctico em excesso causando dores musculares, e continuando em este tipo de estagio de esforço prolongado, o resultado será: dores, caimbras e esgotamento.

Tendo estudado a intensidade possível de um treino, chegamos então aos ítens básicos de como treinar:

Regularidade (periodicidade)
Na estrada, um treino padrão, dura entre 1h 30min a 3 horas com distâncias entre 40 a 90 km. Isto significa treinar regularmente 4 vezes por semana, por exemplo terça, quinta, sábado e domingo. Por tratar-se de longa distância, um dos treinos por semana tem que ser mais longo que 2hs 30min. Para manter um plano deste tipo precisa-se de uma boa disciplina.

No meu caso, durante a semana os meus treinos são mais curtos devido ao trabalho e obrigações profissionais e nos fins de semana costumo fazer os treinos mais longos.

Tipos de treino
Cada tipo de treino tem um propósito. De forma simplificada existem dois tipos, que nos interessam:

– treino de base
– treino de intervalo

Treino de base
Este é um treino para alguem que está começando a treinar, seja pela primeira vez ou seja depois de algum tempo parado. Nesta fase, primeiro tenho que criar uma base. Para isto, com um plano de treino de 4 treinos por semana, em percursos mais facéis, sempre girando marchas leves entre 80 e 100 giros por minuto e sempre ficando entre 60 a 80 % da minha Fc max, consigo criar em um espaço de 4 a 5 semanas uma primeira base aeróbica

Treino de intervalo
Este tipo de treino é para um esportista com uma boa base aérobica, que quer ir para uma fase mais avançada. Mas também para um esportista bem treinado tem que ser considerado um treino complementar.
Este tipo de treino alterna fases de alta intensidade, até 95 % da Fc max (grande ou ate máximo esforço), com fases de baixa intensidade, de 60 a 70 % da Fc max (recuperação). O propósito é conseguir esforços de diversas intensidades para aumentar a capacidade aeróbica máxima e reduzir o tempo de recuperação

Tendo uma capacidade aeróbica maior consigo pedalar com mais reservas. As provas de longa distancia raramente são planas e será necessário, em certas situações, um esforço além dos famosos 80%. Tendo mais reservas será mais fácil enfrentar subidas mais longas estando, depois de horas pedalando, mais cansado.
Para treinos deste tipo, estradas planas não são apropriadas. Por isto, escolhí um percurso no bairro onde moro, de 9 km onde tem subidas e descidas alternadas, o que naturalmente me dá fases de diferentes intensidades.

De qualquer forma, por ser um treino duro e desgastante, recomendo para nos randonneurs somente 1 (um) treino de intervalo por semana.

Outras opções de treino
Uma das opções de treinamento é o rolo, que uso quando está chovendo ou chego tarde do escritorio. O propósito deste treino e manter a capacidade aeróbica.

Nestes treinos não ultrapaso 1h15min, mantenho o passo em uma marcha relativamente leve entre 80 a 100 giros por minuto, e não ultrapasso os 80 % da Fc máx.

Como em qualquer treino, também no rolo começo com alongamento, depois pedalo os primeiros 10 minutos de forma leve, e somente depois entro em um ritmo de passo. Ritmo de passo significa entre 90 e 100 giros por minuto com a marcha colocada. Termino o treino com 5 a 10 minutos de giro leve e por último faço um leve alongamento.

Devido a falta de deslocamento de ar em um ambiente fechado, vai faltar a refrigeração. Vamos ter que compensar isto, bebendo bastante em períodos curtos: durante o treino, beba em intervalos de 10 min, totalizando um mínimo 700 ml/H (700 mililitros por hora).

Overtraining

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Fonte: PBP 2007, foto de Denis Cardoso

Quando se treina exageradamente, seja em volume, intensidade, ou ambos, sem dar ao corpo o seu devido descanso o seu corpo vai protestar.

Os típicos sintomas são cansaço crónico, dor muscular resultando em falta de vontade de treinar e finalmente até doenças, como resfriados quase incuráveis que depois de quase curados acabam em recaídas. Outro exemplo são tendinites nunca curadas.

Aquí não tem outra. Tem que ter durante os planos de treinos mais intensos, dias de descansos intercalados regularmente. Um dia de descanso significa descanso total, sem qualquer treino físico. Não toque na bicicleta!

Parte do descanso também é uma alimentação balanceada, além de suficientes horas dormidas por noite. Pelo que os médicos recomendam: mínimo 8 horas.

Olhando para o nosso exemplo de treino de quatro dias por semana, colocaria a segunda e a quinta feira como dias de descanso. Assim, nunca terei mais de 2 a 3 dias de treino seguidos.

Moral da historia: Aprenda a observar e escutar o seu corpo!

Bebida e alimentação
Em termos de alimentação, sempre prepare o seu treino com uma leve refeição aproximadamente uma hora antes.

Não treine em jejum!

Vai consumir, dependendo da intensidade entre 500 a 800 calorias por hora, que tem que repor.

Durante o treino nunca esqueça de levar água. Vai ter que beber mínimo 0,5 l por hora. Em situações críticas já cheguei a beber 1,5 l em uma hora. Para treinos acima de 2 horas também não esqueça de levar comida. Não precisa comprar gel, coma alimentos sólidos. Uma das melhores fontes é pão francês, uma ótima fonte de carboidratos, que cai bem no estómago. Para dar um pouco de gosto faça um sanduiche com queijo branco e carne branca. Evite carne vermelha.

Lembrete: Também em dias considerados de treino, em que esteja desmotivado ou cansado, treine. Nestes dias saia com metas reduzidas. Também andando a 25 km por hora o seu treino vai ter efeito.

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Fonte: revista Outside Agosto 2012

Roberto Barbosa, o campeoníssimo brasileiro, um exemplo a ser seguido

O famoso Roberto Barbosa, inúmeras vezes campeão brasileiro, também depois dos 70 anos de idade, treinava regularmente. Os que o acompanhavam percebiam que ia girando a baixa velocidade, por volta dos 22 a 25 km/h e ninguém entendia como se podia treinar assim.

Roberto Barbosa continuou ganhando corridas na categoria dos veteranos até o dia antes da sua morte aos 76 anos, por infarte, dormindo em casa.

Abraços a todos e bons treinos!

**para entrar em contato com o Richard Dunner, escreva para rdunner@uol.com.br.

6 respostas em “Dica 8 – Treinamento

    • Obrigado Davi, realmente existem varias teorias para definir o FC max. Mas não quis ir mais longe para simplificar para os leitores. Tinha visto o seu artigo, alias muito bom. Parabéns.
      Abraços, Richard

  1. Olá! Fiz a prova brevet 200 km do clube audax abc em 10/11/2018, e foi a primeira vez que participei de qualquer evento esportivo em minha vida. Com uma bicicleta road que adquiri apenas há 1 mês. Antes disso, vinha usando regularmente a bicicleta mountain bike pra ir e voltar do trabalho, já pensando em aumentar distâncias e variar terrenos com subidas e descidas, desde agosto, mas as maiores distâncias que havia percorrido anteriormente foram de 40 e poucos km seguidos, ou 90 acumulado com horas de descanso entre os trechos. Fora isso, alguns anos de sedentarismo acumulado. Duas coisas que me ajudaram muito a fazer bem o brevet foram as dicas que estão no artigo, e dicas que ouvi no podcast “beco da bike”, que tem alguns entusiastas da modalidade participando. Fiquei muito feliz com meu resultado. Administrei durante toda a prova a manutenção de cadência do pedal entre 60 e 80 pedaladas/min. Pra minha surpresa consegui escalar com tranquilidade e realizar o percurso na média do grupo, sem ressaca no dia posterior. Além disso, fui e voltei da prova pedalando, o que me adicionou 40 e alguns km no percurso. Não vejo a hora de poder fazer mais uma prova desse tipo, o passeio é lindo, o clima entre os participantes é descontraído, enfim, é divertido demais!

    • Parabéns Hugo. O espírito esportivo deve ser preservado assim mesmo. Lugar onde se encontra bons amigos, faz novas amizades, além de conhecer novas cidades.
      Quando puder, faça um pedal com a gente também, será muito bem vindo.
      As inscrições pra Campos do Jordão estão abertas.
      Bons treinos
      Carlos Reis e toda equipe Audax Randonneurs São Paulo

  2. Eu tava me sentindo bem até saber que pedalar a 22/25 km/h é considerado “baixa velocidade”… kkkkkk

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