Relato – London Edinburgh London (LEL) 2017 – Richard Dunner

Tinha me proposto pedalar um LRM por ano, e queria então pedalar MGM em 2017, mas descobri, que o evento tinha sido adiado para 2018 devido à concorrência com LEL.

Assim, buscando uma alternativa e o GranBrevetto, consegui a inscrição no LEL2017, que já tinha pedalado em 2013.

Sabia no que estava me metendo, altimetria 11 000 m, rampas curtas de mais de 10 %, chuva e sobre tudo “vento sudoeste”, o que quer dizer, vento a favor na ida para Edinburgo e vento contra, na volta para Londres.

Bem cedo, Cesar Dosso, do Rio Grande do Sul formou o grupo de contato no facebook, e começou a troca de informações.

Montei uma planilha para 103 horas, tendo aprendido que 100 horas seria inviável, considerando o meu nível de treino, idade e querendo fazer a prova com menos pressão. Na troca de informações fui descobrindo outros participantes, como os irmãos Guarini de Águas de Lindóia.

Giuliano Guarini, virou um “expert” em planilhas e já para Mille Miglia virou a minha planilha de ponta cabeça melhorando-a, e também para LEL, preparou uma planilha planejada até o último detalhe.

Devido a minha experiência negativa com estradas vicinais ruins no Mille Miglia em 2016, voltei para as origens: usar a minha bicicleta amarela com suspensão. Sabia que seria 1 a 1,5 km/h mais lento, mas dei preferência ao conforto.

Lembrando-me bem das subidas, principalmente das rampas de 2013, decidi colocar marchas ainda mais curtas. Em 2013 subi umas 4 subidas a pé. Esta vez usei um pedivela XTR duplo com a relação 44×28 (Shimano diz que somente pode até 30, mas com 28 também funciona perfeitamente) e atrás um cassete Ultegra 12×30 de 10 marchas. A menor marcha dava menos do que 1×1.

Tendo drop bags durante o evento, decidi somente levar a bolsa de selim da “Vó Joaquina” com o mínimo, duas câmaras e CO2, espátulas, o mínimo de ferramentas, uma segunda pele e meias de reserva, a capa de chuva, gel da Zipvit, chamois e um segundo GPS Garmin 810 com cabo USB de reserva, um power bank e um mini nécessaire com sabonete, escova e pasta de dentes. Todo o resto do material e roupas foram para os drop bags.

Os preparativos correram como previsto. Fui aumentando o treino aos poucos, paralelamente aos brevets para conseguir o Super Randonneur em São Paulo.

Perto da prova, em junho e julho aumentei a frequência e eficiência do treino. Treinei quase todos os dias, mínimo 5 vezes por semana e uma hora por treino, com pelo menos 2 treinos de mais de 2 horas por semana. A meta era de pedalar até a prova de 5500 a 6000 km total entre treino na estrada e rolo. Acabaram sendo 6100 km até ir para Londres.

Voei para Londres em 23 de julho, para me adaptar bem ao fuso horário. Voltei a ficar no mesmo hotel de 2013 o The Bell Hotel em Epping. Eu e Roberto Avellar acabamos dividindo um quarto. Também ficaram no mesmo hotel os irmãos Guarini, Silvio Pereira e família, Daniel Gualberto, Raniel Lima e Luciana Cola Santo.Richard 1A turma brasileira no Bell Hotel em Epping, foto Raniel Lima

Em Londres ficamos observando a meteorologia e percebemos, que o tempo mudava muito no mesmo dia, saia sol, nublava, chovia, voltava a sair o sol, com temperaturas amenas entre 12 a 22 graus.

Junto com Roberto Avellar, fiz a primeira etapa até St. Ives de carro, para ver a condição das estradas, o trânsito e o comportamento em geral dos motoristas. Nos dias seguintes, fizemos 2 treinos de 80 e 60 km na primeira etapa para St. Ives, para sentir ao vivo a estrada e o trânsito a esquerda. No primeiro treino fomos Roberto e eu sozinhos, no segundo nos acompanharam os irmãos Guarini e Silvio Pereira.

No sábado, o dia antes da prova, todo mundo foi para a largada para pegar o kit e entregar os drop bags. Usei o carro alugado para transportar os drop bags de todos os Brasileiros que estavam no hotel. A turma foi de bicicleta para largada. O intuito era que todos ficassem concentrados no trânsito sem peso e volume atrapalhando.

Logo que peguei o kit, encontrei com Volker Mailach e a sua esposa Doris. Depois de voltar ao hotel fomos almoçar no centro em Epping. Junto estava Udo Waldenmeier, amigo de Volker, que casualmente ia largar no mesmo horário que nosso grupo as 14h00. Foi uma tarde bem agradável, alegre, e com comida boa.Richard 1
Com Volker Mailach, foto Doris Mailach

 Chegou o dia da prova, 30 de julho. No meu plano tinha colocado paradas longas para dormir em Brampton após 554 km, mais uma vez em Brampon após 855 km e em Pocklington, após 1164 km. Os drop bags ficaram em Thirsk ida e volta, e Edinburgo na virada. O tempo das paradas em PCs, onde não fosse dormir ficou em 1 hora, isto é, apenas carimbar o passaporte, comer, toalete, descansar e imprevistos.

Primeiro dia Loughton-Pocklington (341 km)

Larguei as 14 horas, junto com os irmãos Guarini, Raniel Lima e Luciana Cola Santo, e sabia que o primeiro dia seria longo, passaria a noite pedalando.

Estas primeiras etapas são planas e queria aproveitar para criar uma reserva para mais tarde. A temperatura era amena, por volta dos 18 graus, sol e vento a favor (SW). Tudo como esperado, e o avanço foi bom. Consegui pedalar a primeira etapa para St. Ives, de 99,8 km, com média de 26 km/h, pedalando de vez em quando em algum grupo, e as vezes sozinho. No meio da etapa me ultrapassou Fabio Torrecillas, que tinha largado as 14h15. Ele estava em um grupo muito veloz, mas no final da etapa alcancei ele outra vez.

Em St. Ives o abastecimento foi curto, de 45 minutos, e fui para a segunda etapa de Spalding com 60,3 km. Pronto para partir, me avisaram que Fabio estava me esperando para irmos junto, mas não o encontrei. Acabei largando sozinho, atrás de uma tandem italiana. Com o percurso plano, a tandem imprimiu um bom ritmo de 30 km/h e fiquei atrás “quietinho”, aproveitando. A brincadeira durou uns 35 km e no final havia pelo menos uns 10 ciclistas aproveitando o corta vento. Com esta ajuda alcancei mais uma vez Fabio, que tinha saído na frente. Quando a tandem finalmente ficou mais lenta, Fabio e eu ficamos juntos e tentamos manter um ritmo de 29 a 30 km/h e fomos em frente. Conseguimos chegar em Spalding, em um pouco mais de 2 horas, com uma média de quase 30 km/h.Richard 1Os canais entre Crowland e Spalding na ida, foto Ivo Miesen

Parei uma hora em Spalding e sai com Fabio, já no escuro, para a terceira etapa de Louth, 84,4 km. Mais uma etapa plana, onde dava para imprimir um bom ritmo. Fomos velozes e chegamos em Louth a 01h16 da manhã, com uma média acima de 25 km/h.

Louth acabou virando um engarrafamento, todo mundo acabou considerando este lugar com estratégico, para fazer uma parada mais longa, se abastecer e dormir. Quando chegamos não tinha nem comida nem camas. E ninguém conseguia dar informações claras. Fabio ficou bem zangado. Eu também, mas tentei me informar, para saber quando voltaria a comida. Neste meio tempo perdi Fabio de vista, e não consegui encontrá-lo mais.

Acabei decidindo ir embora, depois de quase 2 horas no PC, após de conseguir uma Coca Cola e me abastecer com o gel que tinha comigo. Sai para a etapa de Pocklington de 96,6 km, um pouco antes das 3h da manhã, pensando em chegar depois do amanhecer e dormir um pouco neste PC.

Por esta etapa ter uma altimetria maior e eu estar pedalando de noite, a minha média caiu consideravelmente. No caminho choveu um momento pesadamente e encharcaram as minhas sapatilhas. Mas para minha surpresa não senti frio, devido a cobertura de sapatilha Endura, que tinha comprado pouco antes da prova. A média caiu para 20 km/h mas consegui chegar às 7h20 em Pocklington, onde acabei pegando uma cama.

Segundo dia Pocklington-Alston-Brampton (184 km)

Sai de Pocklington para Thirsk, etapa de 66,5 km as 9h da manhã, outra vez com temperatura amena e sol. Na largada encontrei com Daniel Gualberto, e pedalamos poucos km juntos. Falei para ele continuar no seu ritmo, já que ele é bem mais rápido nas subidas e nesta etapa intrincada tem muitas subidas, rampas, e descidas passando pelo Castle Howard. Sendo um relevo muito técnico, tem que manter o foco para conseguir uma média boa. No meio da etapa também encontrei Roberto Avellar parado em uma sombra, comentando da interminável sequência de subidas e descidas. Falei  que era assim mesmo e continuei pedalando. No fim cheguei em Thirsk as 12h48 e imediatamente fui pegar o meu drop bag, tomar um chuveiro e trocar toda a roupa.

Por volta das 15 horas larguei para Barnard Castle, etapa de 73,2 km com uma altimetria similar a etapa anterior, mas menos radical, tendo como caraterística a passagem pela ponte The Whorlton, de madeira, uma ponte muito diferente. Caiu mais uma vez a média para 20,0 km/h uma combinação de altimetria e cansaço acumulado. Cheguei em Barnard Castle às 18h43.

Fiz uma parada de uma hora e larguei para Brampton, etapa de 83,8 km, que atravessa o ponto mais alto do LEL o Yad Moss, quase 600 m acima do nível do mar. Queria fazer isto ainda de dia. Trata-se da única subida mais longa, não muito íngreme. O problema é mais a localização nas montanhas, Pennines, que faz o tempo muito variável, mal tempo, neblina, chuva, e muito vento são comuns. Ao contrário de 2013, esta vez consegui pedalar a subida toda sem chuva, mas com bastante vento e com a temperatura caindo bastante.

No caminho comecei a pensar em onde dormir, e cheguei à conclusão, que provavelmente Brampton, como Louth anteriormente não teria mais cama. Então me lembrei do dormitório em Alston, depois de um pouco mais de 50 km na etapa e decidi dormir lá. A localização de Alston ficou perfeita porque era no final da descida do Yad Moss, somente a 32 km de Brampton.Richard 1O Yad Mos indo para o norte, a direita Silvio Pereira, fotos Elizabeth Hunt

Cheguei em Alston já no escuro por volta das 22 horas, e como estava fazendo frio, entrei no primeiro pub aberto na rua principal. Pedi um chá, que o dono me serviu na hora, apesar de não estar no cardápio e me mostrou onde ficava o dormitório, que estava em uma escola a poucos metros da avenida principal.

Chegando no dormitório, fui um dos primeiros a fazer o check in e pedir uma cama. Pedi para me acordar as 03h00 da manhã o que funcionou perfeitamente.

Terceiro dia Alston-Brampton-Edinburgh-Brampton-Alston (363 km)

Sabia que este dia, em termos estratégicos seria essencial.  Tinha que pedalar 363 km com uma altimetria de 2700 m, até o próximo descanso mais longo. A altimetria não mostrava a real dificuldade: inúmeras rampas e as 4 subidas mais longas da prova. Yad Moss e o Beeftube indo para Edinburgo e a subida Edinburgo-Innerleithen e o Yad Mos de volta.

Assim, depois de um bom descanso de 5 horas, larguei para Brampton. As ruas estavam molhadas, tinha chovido durante a noite. Foi perfeito, fui pedalar sem chuva. Pedalei os 32 km até Brampton, junto com um Senhor inglês batendo papo. Ele era aposentado, mora na França, tem uma esposa alemã, adora pedalar e depois de 7 anos na França está com saudades da Inglaterra. Somos todos iguais, não esquecemos as raízes. Cheguei em Brampton as 06h15 da manhã.

Depois de um segundo café de manhã, parti depois das 7 horas para Moffat, a penúltima etapa para o norte, com uma altimetria mais tranquila e 75,8 km. Cheguei em Moffat as 10h32 da manhã. Carimbei o passaporte e fui para o refeitório onde encontrei com o grupo dos Bascos, que conhecia de 2013 e já estavam indo embora.

Fiz a minha parada de costume de 1 hora e larguei para a virada em Edinburgo, em 80,1 km. Peguei a última e única subida longa desta etapa e de repente aparece Enekoitz Elorza um dos jovens do grupo Basco, que havias saído depois do resto do grupo e estava tentando alcançá-los. Mais tarde, na longa descida desta última etapa, alcancei ele outra vez e ficamos batendo papo. Enekoitz estava muito bem informado sob o Brasil. Na Espanha eles acompanham bem a situação política brasileira. Alguns kms antes de Edinburgo, mais uma vez fiquei junto com todo o grupo dos Bascos. Chegando na cidade, pegamos uma longa e linda ciclovia e chegamos todos juntos no PC as 16h02. Quase em toda a etapa tivemos sol e vento a favor, fizemos uma média fantástica de mais de 24 km/h.Richard 1
Devil’s beeftub, a caminho de Edinburgo, foto Mark Thomas

Tendo neste PC o meu segundo drop bag, tomei mais um chuveiro, troquei de roupa e após e uma hora e meia larguei para Innerleithen, etapa curta de 43,5 km, com uma primeira subida longa para sair de Edinburgo. Encarei sozinho e apesar do vento contra, e a chuva no topo da montanha cheguei as 19h03 no PC, onde voltei a alcançar os Bascos, que tinham saído mais cedo de Edinburgo.Richard 1
A subida de Edinburgo para Innerleithen, foto Ivo Miesen

De Innerleithen larguei junto com os Bascos para Eskdalemuir, 49,3 km, quando estava escurecendo. A etapa começava em uma ciclovia, que depois continuava em uma estrada de brita. Cheguei a ficar com receio que toda a etapa fosse assim, mas somente durou 3 km, depois o asfalto voltou. Foi muito agradável pedalar no grupo, que mantinha um ritmo bom, mas não forte demais, porque nós, Moncho, Lourdes e eu, os mais velhos, tínhamos as nossas limitações. Avançamos bem e chegamos em Eskdalemuir, depois de uma curta parada por um pneu furado de Moncho, às 22 horas.Richard 1
A caminho de Eskdalemuir, foto Guf Roefs

 Depois de uma curta parada continuamos juntos para Brampton, 83,8 km, onde os Bascos tinham reservado um quarto de hotel. A noite estava amena e a etapa era mais fácil. Além disso, continuamos com sorte com a chuva, tinha chovido antes e a estrada secou aos poucos, o que ajudava muito pedalando de noite. O que começou a incomodar foram os “midges”, umas moscas pequenas que ficavam voando em grandes números pelo mato, e de vez em quando entravam na boca, no nariz, os olhos, etc. Chegamos a brincar, que estávamos comendo muita proteína. Nem sabíamos que as mosquinhas iam nos acompanhar mais uns 300 km…..

Pensando na minha estratégia, sabia que neste dia teria que chegar pelo menos até Brampton, para continuar com uma reserva para dormir, e pensando na experiencia de Louth, fiquei apreensivo de não conseguir uma cama. Acabamos chegando em Brampton, as 02h49 da manhã e não conseguindo a cama, continuei sozinho direto para Alston que ficava a 31 km de distância.

De Brampton para Alston subia bastante, e o meu GPS quase zerou, já que não costumo carregar ele de noite, dando prioridade a luz do dínamo. Finalmente cheguei em Alston, um pouco antes das 5 da manhã, pedi uma cama e fui dormir. Me perguntaram, quando precisava me acordar, e falei que as 9 horas. O voluntario me respondeu, que a essa hora já estariam fechados. Falei então, me acorde quando desejar! Ai o voluntario deu risada. Dormi muito bem com o dever do dia cumprido, levantei antes do esperado e tive um ótimo café de manhã. Gostei muito do dormitorio de Alston.

Quarto dia Alston-Pocklington (183 km)

Comecei então o meu quarto dia, saindo de Alston as 08h30 da manhã, subindo o Yad Moss com 52 km para chegar em Barnard Castle. Peguei a estrada, estava seca, tempo nublado e a, temperatura amena. Subindo os paralelepípedos, encontro outra vez Enekoitz t e o outro jovem basco. Batemos um curto papo, e depois os 2 ficaram esperando o resto do grupo, e eu continuei.

O Yad Moss, é uma subida de aproxidamente 15 km, não muito íngreme, onde dá para manter um passo firme. Me empolguei, pois consegui entrar no ritmo e passei a subir na faixa de 11 a 12 km/h, sentado e girando até o topo, onde estava o camper do Drew Buck, servindo bebidas e comida grátis.

Para quem não sabe, Drew Buck, é um randonneur inglés muito conhecido, que participou em varios LRMs, sempre vestido a caráter e com bicicleta velha (a famosa Girondelle francesa de duas marchas).Richard 1
Drew Buck no Yad Mos dando bebidas e lanche gratis, foto Olaf Storbeck

Acabei não parando no camper e continuei firme, sabendo que o dia seria longo. No final da etapa começou a chover, e cheguei em Barnard Castle as 11h45, depois de ter dado uma mini volta errada para o PC. Mais uma vez fiz o erro de seguir um ciclista, sem pensar em olhar para o GPS. Por sorte este passeio, foi sem grande prejuizo de tempo e distância.

No final da etapa, as marchas começaram a pular nos pinhões 21, 19 e 17, e achei melhor ir ao mecânico dar uma olhada. Entrei em contato com o mecânico no PC, explicando o problema. Ele pediu para trazer a bicicleta, o que entendi mas primeiro fui comer. Na volta o mecânico tinha sumido e decidi ir em frente assim, simplesmente colocando um pouco de óleo na corrente.

Larguei para Thirsk sozinho, 67,3 km. Mais uma vez a etapa de Castel Howard, com as seus intermináveis descidas e subidas bem técnicas. Mas indo para o sul, as subidas são mais longas e menos íngremes. De qualquer jeito, fiz uma curta parada na última rotatória com o obelisco saindo do castelo para abastecer. Depois da parada começou a chover e não parou mais até Thirsk, onde cheguei bem molhado as 16 horas.Richard 1
Castel Howard e Whorlton Bridge, fotos Ivo Miesen e Rob Packham

Tendo em Thirsk o meu último drop bag, aproveitei e tomei o meu terceiro banho e voltei a trocar toda a roupa. Foi providencial, a chuva tinha caído na hora certa.

Larguei para Pocklington, 67,3 km, por volta das 16h20, sem muita pressa, com sol, para a última etapa do dia. Esta etapa tinha, bem no inicio, várias rampas, algumas mais curtas e outras mais longas, onde agradeci de ter colocado a minha menor marcha 28 na frente e 30 atrás. Ainda sendo lento nas rampas, me lembro bem de ultrapassar inúmeros outros ciclistas, que ou não tinham mais pernas ou marchas apropiadas para este tipo de subida. Eu conseguia subir bem, sem ter que sair do selim.

Cheguei em Pocklington um pouco depois do por sol, ainda com luz antes das 22 horas, pronto para um descanso mais longo, tendo muito tempo de reserva. Era comer e dormir. Consegui uma cama facilmente e pedi para me acordarem as 3 da manhã.

Quinto dia Pocklington-Loughton (369 km)

Acordei sozinho as 2 da manhã, uma hora antes do programado e depois de comer, parti as 02h30 para Louth.

Esta primeira etapa até Louth, de 96,6 km, era longa e mais fácil do que as anteriores, incluindo a travessia sob a famosa ponte do Rio Humber em Barton. O dia amanheceu com sol e outra vez as estradas molhadas provavam que havia chovido a noite.Richard 1
Humber Bridge, foto Jason Burns

 Avancei bem, com uma curta parada após 36 km para um gel e uma segunda parada após 70 km para concertar um pneu dianteiro furado (o único em toda a prova). Cheguei em Louth as 08h40 da manhã, com uma media de 20 km/h para a etapa.

A parada em Louth foi curta. Parti para Spalding, 84,2 km, a etapa tem no início duas subidas mais longas e depois fica completamente plana. Nesta etapa o vento SW começou a apertar, em geral era um vento constante com rajadas intermitentes mais fortes. Com a temperatura amena, tirei o cortavento, e continuei pedalando na parte baixa do guidão, tentando reduzir o atrito o máximo possível (roupas soltas, chegam a aumentar o atrito de 20 a 25 %). Ainda assim a minha velocidade no plano não passava dos 22 a 23 km/h, e dava para perceber que a bicicleta, para compensar, ficava inclinada para o lado do vento (que vinha em geral do lado direito). Encontrei poucos ciclistas no caminho e os que tinha eram mais lentos, então não dava para pedalar em equipe e dividir o trabalho. Lembrei-me das minhas horas contra o vento na Ciclovia Pinheiros, um bom aprendizado, me preparando bem psicologicamente para esta situação. Não tinha outra opção, era abaixar a cabeça, colocar marcha reduzida, girar e ter paciência.

Uns 10 km antes de Spalding, de repente apareceu um ciclista Inglés dos “Kingston Wheelers” me ultrapassando a mil por hora. Não tive dúvida, ele mantinha uma velocidade de 26 a 28 km/h, peguei a roda e não soltei mais. Assim, cheguei cansado mas satisfeito em Spalding, às 14h46. Média de  20 km/h.

Depois de uma parada de 1 hora, voltei para estrada, a próxima meta era, St. Ives, etapa curta de 67,3 km, completamente plana, mas com um vento SW forte, e agora contínuo. Na primeira parte do percurso, a estrada acompanha canais pluviais, sem nenhuma proteção contra o vento.

Encontrei no inicio, um grupo de 3 ingleses pedalando a uns 20 km/h, e consegui organizá-los para trabalhar em equipe contra o vento. Montamos uma formação de “Echelon”, onde o primeiro ciclista ficava enfrentando o vento a direita e o resto do grupo ficava em forma de escada à esquerda. Como o vento estava forte, o primeiro ciclista nunca ficava mais de 500 m na frente. Se deixava cair para atrás, até ficar por último e entrar a esquerda do grupo. O segundo assumia a posição na frente, até a próxima troca. Funcionou muito bem com pouco desgaste, conseguindo manter uns 21 km/h constantes, até sairmos dos canais depois de um de 14 km em Crowland. Foi divertido, agradeci e fui em frente por ser um pouco mais veloz.

Alianças deste tipo, nem que sejam curtas devido a circunstancias difíceis, são necessárias em eventos de longa distância. Não somente reduzem o desgaste físico, mas são muito boas psicologicamente. Definitivamente, são muitas boas oportunidades de aprender a andar em grupo e trabalhar em equipe.Richard 1
Nos canais entre Spalding e Crowland, foto Anthony Falzon

Depois de 30 km na etapa, encontrei antigos conhecidos, John de Colorado (conhecido de 2013, e vizinho no hotel) e Eric da França, juntos estavam Tom, Inglês e Johannes, Alemão. O grupo, coeso, avançava bem contra o vento, com Tom, John e Eric se alternando contra o vento. Tentei ajudar entrando no ciclo, mas Tom achou em um certo momento, que estava acelerando demais. Não querendo interromper a harmonia do grupo, voltei para a retaguarda junto com Johannes, com quem passei a bater papo em alemão. Fiquei quieto no grupo, até St. Ives, onde chegamos as 19h14 com uma media de 19,5 km/h.

Depois de um curto abastecimento, saimos outra vez todos juntos, já de noite, para penúltima etapa da prova, Great Easton de 71,7 km. Nos acompanhava agora mais uma ciclista, Leslie de Colorado, conhecida de John.

Não havia percebido que tinha uma rota alternativa mais plana, por uma ciclovia que acompanhava uma rota de ônibus sob trilhos, cruzava Cambridge e seria bem mais fácil que a rota pelas montanhas. Por qualquer razão, não foi carregada no GPS. Assim, sem esta rota deu “tilt” no meu GPS, mas tendo junto o “homem planilha” Tom, o Inglês, não tive dúvida em seguir o grupo.Richard 1
Ciclovia e onibus sob trilhos perto de Cambridge, foto Rob Packham

A parte plana acabou sendo mais de 50 km no percurso e somente os últimos 10 km sendo  montanhosos. Em certos momentos a rota até pegava estradas de saibro, onde tinha que prestar muita atenção, devido as constantes mudanças de direção e subidas e descidas extremas. Chegamos todos juntos em Great Easton, as 00h34 da manhã com o intuito de fazer uma parada curta e continuar para a chegada em Loughton.

Casualmente encontrei em Great Easton, os brasileiros Vitor Hugo Matzenbacher e Roberto Avellar. Roberto acabava de perder o contato com Silvio Pinheiro e Daniel Gualberto, e queria continuar em algum grupo para a última etapa. Assim, nosso grupinho caiu como uma luva.

Então, o mesmo grupo da etapa anterior, incluindo agora Roberto, partiu para a etapa final Great Easton- Loughton de somente 47,9 km. Junto conosco, partiu pelo menos mais uma duzia de ciclistas. O grupo virou um pelotão.

A etapa era curta mas com mais de 400 m de altimertria nada fácil. Aos poucos o grupo se organizou e John e Tom foram para frente, marcando o passo. A velocidade aumentou, e ficou por volta dos 23 km/h. Os kms foram passando e Roberto e eu acompanhamos bem. Até que depois de 30 km, apareceu uma subida longa com inclinação maior. Naquele momento não queria e nem conseguia mais acompanhar o ritmo. Avisei a John que fosse em frente, que eu chegaria depois. O grupo foi embora. Só que depois desta subida apareceu um traçado com 3 lombadas bem técnicas. Estando com menos ciclistas por volta, portanto com mais espaço, conseguia deixar correr a bicicleta sem freiar. Conseguia entrar nas subidas subsequentes com maior velocidade forçando os finais de subida no “volantão”, saindo do selim. Assim, na terceira subida já tinha alcançado o grupo outra vez.

O grupo original acabou chegando junto em Theydon Bois a 5 km da chegada, onde já somente descia para o destino final. Tendo a chegada praticamente em frente, reduzi o ritmo e o grupo se dispersou mais uma vez. Encontrei-me pedalando sozinho com o Roberto.

Naquele momento fiquei tão feliz que comecei a rir em voz alta, mas com interrupções. Acredito que Roberto conseguia me ouvir. Imaginei, que ele fosse pensar, que pirei de vez. E somente de pensar no assunto, me deu um outro ataque de riso. Provavelmente reforcei para Roberto que tinha pirado.

Chegamos na rotatória para virar para a rua da escola e depois entramos na rua da escola. Nos faltavam uns metros, mas achava que estava tudo muito escuro no fundo da rua. Até cheguei a fantasiar que a chegada tivesse sido mudada de lugar ou fechado.

Apareceu a luz, gente aplaudindo e a escola iluminada. Deixamos as bicicletas no estacionamento e nos dirigimos para o PC. Roberto me felicitou, eu retribui e fomos entregar o passaporte. Depois do último carimbo uma foto de ambos. Chegamos oficialmente as 04h23 da manhã.

A chegada é um dos momentos mais prazerosos de qualquer brevet e desta vez, não somente me sentia físicamente muito bem, mas fiquei muito feliz. Roberto e eu nos abraçamos, apareceu reunido outra vez todo o grupo, fizemos uma foto, e todo mundo comprimentou a todo mundo.

Assim a jornada iniciada 4 dias antes, terminou com sucesso. Pegamos a bicicleta e pedalamos de volta para o hotel, para pegar o nosso quarto e ir dormir.Richard 1
O grupetto com medalha, foto John Mangin

Richard 1
Passaporte carimbado e medalha, fotos Roberto Avellar

O Resultado

Olhando para a prova, posso dizer que foi mais dura que em 2013. O que mais atrapalhou foi o forte vento SW, que tivemos os últimos 400 km. Fui 2 horas mais lento, com 110h30, do que em 2013, quando terminei em 108h30.

Mas como comentei para John, o Americano, na penúltima etapa: “Acho que foi mais duro esta vez, ou é que estamos 4 anos mais velhos?” A resposta de John foi “Ambos!”, e rimos.

Conhecendo o percurso, consegui equilibrar melhor o esforço, sabendo das dificuldades a serem encontradas. No fim, também a sorte conta, soube adaptar a estratégia quando precisou, como a escolha dos dormitórios, Pocklington e Alston. Não tive sono em cima da bicicleta nenhuma vez, como já me aconteceu em outros LRMs.

Escolhi as alianças certas para poupar as minhas forças, quando foi necessário, e no fim até a mãe natureza me ajudou, dando-me temperaturas amenas e mandando a chuva na hora certa. O que posso pedir mais?

 LEL 2017 GPS EE42 km time subidas
LEL Louth-St. Ives 99.8 3:44:09 739
LEL St Ives-Spalding 60.8 2:01:43 97
LEL Spalding-Louth 84.4 3:18:03 361
LEL Louth-Pocklington 96.6 4:39:12 895
LEL Pocklington-Thirsk 66.5 3:05:53 640
LEL Thirsk-Barnard Castle 73.2 3:34:02 620
LEL Barnard Castle-Brampton 83.8 4:47:00 939
LEL Brampton-Moffat 75.8 3:18:00 412
LEL Moffat-Edinburgh 80.1 3:19:31 705
LEL Edinbourgh-Innerleiten 43.5 2:20:12 562
LEL Innerleiten-Eskdalemuir 49.3 2:28:34 547
LEL Eskdalemuir-Brampton 58.2 3:01:58 457
LEL Brampton-Barnard Castle 83.8 4:37:18 1053
LEL Barnard Castle-Thirsk 67.3 3:08:53 436
LEL Thirsk-Pocklington 67.3 3:23:50 657
LEL Pocklington-Louth 96.6 4:53:16 1005
LEL Louth-Spalding 84.2 4:12:22 513
LEL Spalding-St. Ives 60.8 3:07:50 268
LEL St. Ives-Great Easton 71.7 3:52:28 313
LEL Great Easton-Loughton 47.9 2:25:50 405
Total 1451.6 69:20:04 11624.0

Média pedalada = 20,9 km/h

A organização da prova foi impecável e merece todos os elogios! Os voluntários foram muito atenciosos, os PCs bem equipados, a comida boa, os dormitorios funcionais e em geral tudo muito bem organizado. Isto, a pesar do engarrafamento de Louth, após 240 km de prova, que tem que ser considerado uma exceção.

Gostaria de agradecer aos meus amados, minha esposa Fulvia, a minha filha Julia e o meu filho Lucas pela paciência comigo durante os longos preparativos, treino, material e outros, que tomaram muito do meu tempo nos últimos meses, deixando a família um pouco de lado.

Também gostaria de agradecer a Ciclo Ravena pelo seu apoio, me emprestando mais uma vez a mala bike para esta empreitada.

Finalmente, gostaria de cumprimentar e agradecer ao agradável grupo de Brasileiros do “The Bell Hotel” em Epping, Roberto Avellar, Giuliano e Fabricio Guarini, Raniel Lima e Luciana Cola Santo, Daniel Gualberto e Silvio Pereira, pela companhia, solidariedade e apoio nesta empreitada na Inglaterra.

Aproveito para felicitar a todos, tenham concluido a prova ou não, pela sua audácia de participar deste desafio. Desejo a todos tudo de bom.

Nos vemos na nossa próxima loucura. Afinal somos todos loucos felizes.

São Paulo, 16 de agosto de 2017

Richard Dünner