Relato – London Edinburgh London (LEL) 2013 – Richard Dunner

Tinha me inscrito em 2012 para a prova no Canada das Rocky Mountains 1200, mas devido a razões profissionais tive que desistir.  Fiquei frustrado, mas parece que tive sorte, porque tiveram um temporal no primeiro dia com temperaturas de zero graus em pleno verão, e desistiram mais de 50 dos 130 participantes nos primeiros 400 km.

Mas isto é historia. Me coloquei então uma nova meta, e fiz inscrição, já em Janeiro de 2013 no LEL, que ia acontecer de 28 de julho a 2 de agosto de 2013, e para evitar qualquer decepção, mantive em segredo ate poucas semanas antes da prova.

Com sempre, comecei  os preparativos bem cedo, dando uma olhada no percurso, colocando toda a rota no google earth, dando uma olhada na meteorologia, preparando o material e me colocando um plano de treino ate a prova.  A ideia era  de ter pedalar  aproximadamente 4000 km ate a prova, o que consegui cumprir.

Tendo visto os problemas que alguns participantes enfrentaram nos dois PBPs em que participei, onde as empresas de aviação perderam as bicicletas, decidi pegar um vôo direto para Londres com a TAM. Sem escalas tem menos possibilidade de se perder as coisas. Para proteger melhor a bicicleta consegui uma mala Thule, que a Ciclo Ravena de Moema gentilmente colocou a minha disposição.

Acabei viajando em 21 de julho para Londres, uma semana antes da prova, para me adaptar ao fuso horário e para ter tempo de me aclimatar. Me hospedei no Best Western em Epping, uma cidadezinha no nordeste de Londres a somente 5 km da largada em Loughton. A viagem foi boa, o translado do aeroporto para o hotel um pouco confuso já que o rodoanel de Londres,  a M25, está constantemente em manutenção. O hotel  acabou sendo um ótimo custo beneficio, com um quarto bem amplo onde dava para colocar a bicicleta dentro do quarto, muito bem localizado, perto do centro comercial de Epping.

Em Epping, comecei a verificar o percurso, baseado na planilha a disposição,  comparando-a constantemente com o GPS que tinha comprado. Aqui gostaria de agradecer ao Martin, da Bike Forever, que me ajudou a preparar o GPS carregando os mapas e as rotas necessarias para a prova. Já tínhamos percebido durante os preparativos que, devido ao tempo de prova, precisariamos de algum reforço de carga para o GPS  porque a bateria dele somente dura aproximadamente 15 horas. Também aqui Martin me ajudou a encontrar os carregadores necessários.

A meta nesta primeira semana foi conhecer a primeira etapa de 90 km ate St. Ives e conhecer melhor o funcionamento da planilha colocada a disposição pela organização do evento.  Pedalei todos os dias algum trecho da primeira etapa do percurso totalizando aproximadamente 220 km. Visitei o lugar da largada, testei a planilha e o GPS,  e acabei memorizando toda a primeira etapa.

Encontrei uma boa bicicletaria em Epping, “Spokes”. O dono realmente é  um excelente profissional. Tendo certeza que teríamos chuva algum dia durante o percurso, acabei instalando um para lama dianteiro e, pensando que seria bom ter um pneu 25 mm, acabei pedindo na mesma loja o novo pneu da Continental Grand Prix GT, que tem a resistência do Gatorskin e a borracha do 4000S. Dois dias após o pedido os pneus estavam disponiveis.  Acabei visitando a loja quase todos os dias, e virei amigo do dono. Assim, quando acabou quebrando um raio da minha roda dianteira, e levei a roda para concerto na loja, me atendeu na hora, e em questão de menos de meia hora, batendo papo comigo, concertou a roda colocando o centrador encima do balcão na loja. Isto tudo com uma eficiencia e rapidez sem par. Somente posso dizer: recomendo.

Durante a semana foram aparecendo mais participantes no hotel.  5 bascos, 3 austríacos, uma duzia de dinamarqueses, 6 holandeses, 3 americanos. E entre outros, Ken Bonner, a lenda canadense, com quem tive a oportunidade de conversar um pouco, e para quem acabei dando como presente uma camisa do nosso Audax Randonneurs São Paulo.

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Com Ken Bonner, iron but 

Chegou então o dia da vistoria, ou dia do registro,  sábado 27 de julho, onde  podia-se entregar as “drop bags”, bolsas com material de reserva a serem transportadas pelos organizadores.  Para as bolsas escolhi Pocklington, km 333, e Edinburgo, km 704. Desta forma teria material a disposição depois de 333, 704 e 1070 km de percurso.

Durante a vistoria não pediram nenhum comprovante, nem de exame médico, nem de seguro.  Extraordinario foi também, que nem olharam para a bicicleta assumindo que estava tudo dentro das regras. Tinha-se que saber somente o número do participante, no meu caso E10, e assinar o termo de responsabilidade onde o participante confirmava que tinha cumprido os requisitos pedidos pela organização. O principio era “vocês são todos adultos e assumem a responsabilidade pelos seus atos”. Tudo estava muito bem organizado e em questão de uns 30 minutos, tudo resolvido incluindo a entrega das “drop bags”.

Acabei ficando na largada batendo papo com os bascos que estavam hospedados no meu hotel . Um deles acabou tendo problemas com os seus manetes Campagnolo, e como eu tinha alugado um carro, acabei dando  carona para ele ate uma bicicletaria especializada, onde um mecânico acabou resolvendo o problema. Em retribuição os bascos me convidaram para uma paella no almoço em um camping em Loughton. Almoço organizado por mais um ciclista do grupo deles. Foi muito agradavel, com comida típicamente espanhola, sidra, e um bom papo.

Na conversa com os espanhóis, falando de treino, um casal participante que mora em San Sebastian, me explicou que treinam regularmente no velódromo da cidade, que fica aberto ao público todos os dias da semana em certos horários. A entrada é livre, somente precisa se registrar. Imaginem poder fazer isto no Velódromo da USP?

Depois do almoço, voltei ao hotel para fazer os últimos preparativos e dar mais uma olhada na minha estrategia para a prova. Em uma primeira instancia tinha decidido pedalar ate a virada em Edinburgo em 2 dias, aproximadamente 704 km.  Tendo estudado o relevo, ainda não sabia se ia dormir a primeira noite em Pocklington, km 333, ou Thirsk, km 400. Ia decidir durante a prova.

Chegou o dia da prova, o 28 de julho. A largada do meu grupo, E, era as 6h 45m da manhã. Tinha escolhido o horário de largada o mais cedo possível para ter o maior número de horas luz durante a prova, aproveitando os dias longos de verão da Europa. Tendo lido alguns comentários de participantes antes da prova e relatos da prova de 2009, sabia que quase toda a prova seria por estradas secundarias e que encontraríamos asfalto rugoso, alguns buracos (“potholes”) e outras deficiencias no asfalto. Para o primeiro dia esperavamos tempo bom, mas prognosticavam-se chuvas para o segundo dia.

Dia 1
Começou bem, tempo bom, temperatura boa, largada no horário. A primeira etapa de Loughton-St. Ives,  de aproximadamente 99 km, já estava memorizada. Então decidi navegar com a planilha para não gastar a energia do GPS, com meta de chegar por volta das 11 e meia no primeiro PC.  Esta etapa não tinha muita dificuldade e acabei chegando um pouco antes das 11h em St. Ives,  antes do que o planejado.

Na primeira etapa percebi que o vento sudoeste nos estava empurrando, o que era uma boa vantagem. Assim, na segunda etapa de Kirton, de 81 km, sai com bons animos e descobri a caminho que o percurso não somente era completamente raso mas que o vento continuava empurrando. Dava para manter fácil 30 km/h. Aproveitei, me revezando com um inglês, que me alcançou de repente no meio do caminho. Voamos, conseguimos uma media de 29,5 km/h nesta etapa.  Ate os mais lentos foram rápidos nesta etapa, fazendo medias de 27 km/h. Outra vez cheguei no PC bem na frente da minha tabela.

A  terceira etapa para Market Rasen, de 66 km,  foi muito pitoresca, plana e acompanhava canais pluviais que foram desativados, mas com muito charme. Ai me alcançou um grupo de Suecos e Dinamarqueses e me integrei no grupo. Avançavamos bem, mas deu para ver que tinha alguns que não seguiam as regras básicas para pedalar em grupo. Não avisavam os buracos e não mantinham a linha.

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Os canais desativados perto de Market Rasen 

Foi assim, que em uma bifurcação, o cara da minha frente a direita simplesmente viu uma estrada a esquerda, mudou a direção e foi encima de mim. Percebeu o erro e corrigiu, mas tive que desviar, e o ciclista atrás de mim, entrou na minha traseira. Por sorte a minha traseira com alforjes estava pesada. A minha roda traseira foi atingida e deslocada. Consegui  manobrar e consertar, e não fui para o chão. Agora, o ciclista atrás caiu! Olhei para atrás, vi que varios ciclistas pararam para ajudar.  Achei que tinha ajuda suficiente e continuei. Ai comecei a ouvir barulho no meu bagageiro e percebi que com a pancada o parafuso que fixava o bagageiro do lado esquerdo, embaixo no eixo, tinha quebrado e o bagageiro estava solto. Decidi parar em algum lugar para fazer o conserto, entretanto o tempo tinha mudado, e começou a chover. Acabei  parando em uma parada de onibus, embaixo do telhado. Ai peguei  uma “zip tie” (enforca gato), passei pelo buraco do parafuso e fixei o bagageiro provisoriamente, já que não tinha parafuso de reserva. Funcionou, consegui chegar no próximo PC sem problemas. Chegando no PC fui ao mecânico, que me deu um novo parafuso, e instalei. Um pequeno susto.  Com o bagageiro não tive mais problemas durante toda a prova.

Devido ao problema do bagageiro nem pensei em colocar o meu casaco contra a chuva e cheguei ensopado no PC. Acabei tendo que trocar as meias e colocar uma camisa por baixo da camisa para ficar mais quente.

Na quarta etapa Market Rasen-Pocklington, de 90 km, encontrei com o primeiro brasileiro, Rodyer, de Curitiba. Ele tinha participado do prólogo em Londres, e largado pelo menos uma hora e meia depois de mim, e já tinha me ultrapassado, estava pedalando muito bem. Fomos batendo um papo ate a Humber Bridge, que atravessamos juntos.

Com Rodyer na ponte

Com Rodyer na ponte

Humber Bridge

Humber Bridge

Depois, em uma subida ele ficou um pouco para trás e perdi contato. Mas, quase chegando em Pocklington, me alcançou outra vez em um grupo.  Perdi outra vez o contato, e fiquei sabendo somente depois do fim da prova que ele tinha desistido em Thirsk.

Cheguei  em  Pocklington por volta das 22h 30min. Vendo que estava bem de tempo, não tive dúvida de encarar a próxima etapa ate Thirsk, de 66 km, que esperava  fazer em umas 3 horas. Era noite e estava chovendo.  Acompanhei inicialmente um grupo de ingleses, que pedalava bem, e conheciam o caminho, mas em um certo momento foram mais rápidos e os perdi de vista. O percurso ia por estradinhas bem rurais, as vezes com pedras, outras com cascalho devido a chuva e em certos momentos ate crescia grama no meio da estrada.  Começaram a aparecer as dúvidas de navegação apesar do GPS, e em um certo momento, eu,  junto com uns italianos fizemos uns km morro acima para o lado errado. A distancia foi curta e deu para consertar. Um pouco depois  apareceu na rota, em Terrington, a maior pirambeira de todo o percurso.  Anunciada por uma placa, apareceu uma descida de 15 %, cheia de algum negocio escorregadio que parecia lama, ou similar. No final da descida, curva a direita e depois a esquerda, e imediatamente uma subida, não avisada, de mais de 10 %. Não deu nem para trocar a marcha. Sem chance, subi a pé!

Bom demorei quase 4 horas para completar esta etapa, cheguei em Thirsk por volta das 3h 30min da madrugada cansado. Meta cumprida, tinha pedalado os 400 km previstos.  Fui dormir 2 horas.

Dia 2
O segundo dia começou com uma etapa mais plana, Barnard Castle, de 67 km, que foi uma etapa fácil e que acabei terminando sem grande esforço. Mas sabia que a próxima etapa Barnard Castle-Brampton, de 82 km, atravessaria o Yad Moss, o primeiro verdadeiro obstáculo da prova.  Foi a primeira subida mais longa, inicialmente no sol, mais tarde no vento, e no topo do morro com uma chuva torrencial com granizo. Não tinha nenhum abrigo naquela montanha, nem uma árvore.  As poucas casas estavam todas trancadas e eram de acesso difícil.

No topo do Yad Moss

No topo do Yad Moss

Depois da súbida do Yad Moss, seguiu uma descida violenta na chuva para Alston, cidadezinha pequena e pitoresca com uma descida íngreme com paralelepípedos molhados e escorregadios. Socado e molhado, acabei entrando em uma casa de chá em Alston, junto com um inglês. Comemos um bolo e bebemos um pote de chá e saímos bem satisfeitos para Brampton. A etapa foi cansativa, mas também bonita. Consegui chegar as 16h 30min, com uma media de quase 20 km/h em Barndard Castle.

Depois de um curto abastecimento larguei para Moffat, 74 km, junto com um inglés de Dover,  com quem fiquei batendo papo sobre o tempo.  Ele me explicou que todo mal tempo da ilha da Inglaterra vinha acompanhado por ventos do sudoeste, e que a parte sudeste e leste da ilha eram mais secas.  Então, tinhamos que contar com vento contra na volta para o sul. Pensei: Muito obrigado pelo aviso! Fiquei preparado psicologicamente!  Choveu quase todo o caminho para Moffat, mas não senti frio. O inglés acabou sendo mais veloz e foi em frente. Acabei chegando sozinho em Moffat um pouco depois das 21h, ainda de dia.

Não tive dúvidas, Depois de abastecer larguei para Edinburgo, que ficava a 81 km, agora no escuro, sabendo que teria que pedalar primeiro a última subida longa do dia e depois descer em etapas ate o mar. Fui embora sozinho, e no caminho começou a garoar e a temperatura caiú. Sentia o frio nas descidas. Comecei a sentir sono. Entanto, tive sorte, me alcançou um grupo relativamente grande de ciclistas bem novos, que pedalavam em um bom ritmo. Acabei ficando no grupo e tive que me concentrar para não fazer besteira. Rapidinho o sono foi embora. O ritmo era bom, e chegando nos suburbios de Edinburgo ficamos ainda mais velozes, parecia que todo mundo queria chegar rápido. As últimas subidas chegando no PC simplesmente foram engolidas, girando e aparentemente sem esforço. Fiquei maravilhado das forças que apareciam do nada. Cheguei com uma parte do grupo um pouco depois das 3 da madrugada.  Com a meta do dia cumprida, voltei para a minha rotina de PC, carimbar o passaporte, encher as caramanholas de agua e já deixar prontas na bicicleta, comer uma refeição completa, sopa, batata, pão, as vezes chips (batata frita inglesa), peixe, macarrão (alias pessimamente cozinhado pelos ingléses), maça e banana como sobremesa. Depois fui tomar uma bom chuveiro, trocar completamente a roupa usando o meu “drop bag” e fui dormir umas poucas horas.

Dia 3
O dia amanheceu ensolarado, mas fresco  e com vento. Acho que a Escócia nunca tem dias quentes. Comecei com um café de manhã farto com müesli, chá, pão, e um prato de macarrão.

Sai de Edinburgo tranquilamente as 7 da manhã em direção a Traquair, 42 km, com direito a primeira subida longa do dia com vento contra, como o inglés do bate papo do dia anterior tinha prognosticado. O vento contra nos acompanharia toda a volta com menor ou maior intensidade.  Naquelas primeiras subidas do dia, coloquei a coroinha da vovô para não me desgastar e fui subindo os primeiros morros em direção de Innerleithen.  A vista do alto era linda, e apareceram os pastos com as famosas ovelhas. Vilarejo perto? Nenhum, muito solitario, com certeza a vida é dura nessas montanhas. Também poucas árvores, somente de vez em quando algum começo de reflorestamento de pinheiros.  As 10h 23min já estava em Traquair, onde tinha um bolo comemorativo e entre outros, nos ofereceram uma pequena dose de uísque.

PC Traquair

PC Traquair

A caminho de Eskdalemuir

A caminho de Eskdalemuir

Foi uma parada curta, e continuei para Eskdalemuir,  a 47 km. A estrada primeiro cruzou uma pequena serra, para depois de varias subidas e descidas chegar a um vale ensolarado, com um rio farto e lindas flores vermelhas. O tempo passou bem rápido com este visual, parecia uma região bem turística, passei inclusive ao lado de varios campos de golfe. Pedalando pelas estrada, ao lado de um destes campos, que não tinha nem percebido, de repente ouví aplausos. Inicialmente ate pensei  que finalmente tinha torcedores na estrada. Para a minha decepção não foi bem assim. Golfistas estavam comemorando uma boa jogada de um outro golfista. Começei a rir de mim mesmo! Era uma região solitaria. O visual era lindo, mas a monotonía somente era interrompida por algum carro ou algum ciclista mais lento ou mais rápido que eu.  Cheguei no controle em Eskdalemuir um pouco depois das 13h.  Com a temperatura amena e o sol brilhando, o PC  que ficava em uma casa comunitaria estava com um ambiente ótimo.

Pensando na meta do dia, de chegar ate Thirsk, fui embora para Brampton, a 57 km. Tinha em mente que seria uma etapa mais pesada, mas  acabou sendo um relevo tranquilo. Cheguei  no PC um pouco antes das 17h.

Sabendo das dificuldades da etapa seguinte, larguei para Barnard Castle, querendo cruzar o Yad Moss ainda de dia. Ai apareceram algumas dificuldades no caminho. Me lembrava que na ida tinha algumas descidas violentas. Pois não, agoram eram subidas violentas. Curtas, de 200 a máximo 300 m, verdadeiras rampas com inclinações maiores que 10 %. Todas para se subir na coroinha respirando fundo, e não tinha descidas para embalar antes.  Ate Alston doeu a alma (psícologico), com a travessia da cidadezinha  coroada por uma subida nos paralelepídedos molhados.  Naquele momento, apesar de estar sem problemas físicos, senti  o peso da prova.  Depois de Alston as subidas ficaram menos íngremes,  no entanto apareceram outros fatores, o vento e a chuva.  Fiz uma parada rápida para colocar a capa de chuva percebendo a chuva iminente.

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Os paralelepípedos em Alston

Estava um pouco desajeitado, demorei, o que já tinha observado durante o dia e os PCs anteriores.  Como exemplos: Em Edinburgo demorei para decidir qual material deixar no meu “drop bag”. Saindo de Edinburgo, atrás de uns Ingléses, troquei a marcha mal e caiú a corrente, isto não tinha acontecido nunca.  Depois em Traquair, somente coloquei agua em uma caramanhola, não nas duas. Na minha parada para me preparar para a chuva tive dificuldade para tirar e ajeitar as roupas, demorando demais.  Mas tarde percebi, que tinha deixado o meu chamois para atrás naquela parada.  Era um acumulo de cansaço tendo como consequencia a falta de concentração.

Continuando, São Pedro me mandou mais uma chuva torrencial na subida final para o Yad Moss. Esta vez caiu bem a temperatura. Durante a subida ainda ficava bem aquecido, mas no topo começou a fazer frio. Por sorte a chuva durou pouco e saiu o sol. Foi um espetáculo da natureza, com sol de fim de dia e com direito a arco íris.  Foi uma das cenas mais emocionantes de toda a prova. Muitos participantes pararam para fazer fotos, eu também.

Yad Moss na volta apos da chuva

Yad Moss na volta após a chuva

Yad Moss na volta apos da chuva

Yad Moss na volta após a chuva

Na descida do Yad Moss para Barnard Castle esfriou de vez, o sol não aquecia o suficiente, e  apesar de estar bem agasalhado descendo a alta velocidade, realmente fez frio. Tremiamos eu, e a bicicleta. Não sei se era ela o eu. Acho que os dois tinhamos frio. Perto do PC me juntei por curto tempo com um alemão, e outra vez apareceu aquela força cavalar, sabendo que estávamos perto do fim da etapa, parecia que todos estávamos  com o diabo nos perseguindo. Os último kms pegávamos os tobogãs passando pelos vilarejos simplesmente a mil. O alemão era mais rápido apesar do meu ritmo forte, e me deixou para atrás. Cheguei molhado e com frio no PC de Barnard Castle por volta das 22h 30min, cedo de noite. Pensando na minha falta de concentração durante o dia, não tive dúvida, contra a estratégia fui  tomar um bom chuveiro, colocar a roupa mais seca a disposição e ir para uma cama quentinha.

Segundo o plano deveria de ter continuado mais uma etapa até Thirsk. Mas, dane-se a estratégia!  Estava com uma reserva de tempo enorme devido ao bom ritmo nos primeiros 2 dias! Decidi me preservar.  Fui dormir e pedi para me acordar às 5 horas.  Dormi como um anjo, com direito a ronco e tudo. Acabei parando um total de 7 horas!

Dia 4
Larguei cedo, as 5h 30min, Barnard Castle-Thirsk, 67 km, percurso sem problemas, plano com leves descidas. Como de costume, vento contra mas sem incomodos. Deu uma media boa. Bom começo de dia.

A segunda etapa do dia, Thirsk-Pocklington, de 63 km, onde fui lento na ida, foi bem diferente de dia.  Na ida, de noite, tive todo tipo de problemas inesperados, de navegação, e sustos com cascalho e lama de noite. Esta vez foi bem mais tranquilo. Sabia que ia encontrar outra vez aquela combinação descida – 15 %/ subida + 15 % em Terrington, sem poder embalar e subir a pé, mas não estava nem ai. Esta vez demorei  3h 15min para a etapa. Tudo na santa paz. Sabendo, se aprende e se adapta!

Terrington, a minha subida favorita

Terrington, a minha subida favorita

A seguinte etapa  Pocklington – Market Rasen, de 90 km, acabou sendo uma das mais difíceis. Me tocou chuva, atravessar a Humber Bridge no vento, e depois teve vento contra forte ate o fim. Assim, uma etapa relativamente plana acabou sendo bem dura. Senti o esforço, e acabou o meu gás, uns 10 km antes de chegar no PC. Estava naquele momento junto com duas enfermeiras da Africa do Sul, que estavam com muita força, mas que, por não terem GPS, sempre perdiam tempo nas bifurcações da rota. Acabava alcançando elas, apesar de elas serem mais rápidas, sempre nas mudanças de rota elas paravam porque queriam ter certeza de não ter saído do percurso. Naqueles últimos kms antes do PC,  a nossa velocidade caiu a 15 km/h.  Como já estavamos perto e não tinha mais como se perder  elas foram em frente.  Estava sem gás mas sei, que ainda assim consigo fazer uma boa distancia sem parar. Cheguei em Market Rasen por volta das  19h 30 min, depois de mais de 5 horas de rota, exausto.  No PC depois de comer fui dormir e pedi para me acordar 21h 30min. Isto, porque era muito cedo para ir dormir, e queria pedalar mais uma etapa.

Impressionante como com um bom descanso o corpo se recupera em pouco tempo. Dito e feito, por volta das 22 horas, com a roupa naturalmente “body dried” (secada no corpo), sai junto com John, um americano de Colorado, para Kirton, que ficava a 66 km. A chuva tinha parado, as estradas tinham secado,  saiu a lua e as estrelas, como ponto negativo somente sobrou o famoso vento contra. Fomos batendo papo a metade do caminho, e chegando aos canais onde a estrada era toda plana, o papo parou, nos concentramos,  e aumentamos o ritmo, a uns 24 km/h, que mantivemos, nos revezando na frente, ate chegar no PC as 2 da madrugada. Chegamos no PC felizes, e fomos dormir mais um pouco. No PC perdi o John de vista, peguei uma  cama e pedi para me acordar as 6 horas.

Dia 5 final
Acabei acordando sozinho as 5 da manhã, fui para o cafe de manhã com direito a sopa, ovos, müsli, etc. e fiquei pronto para largar as 5h 45min. Não tinha ninguém saindo, então fui embora sozinho para St. Ives, a 81 km.  Estava fresco, seco, e, novidade, com vento contra. Consegui manter um bom ritmo, de uns 22 km/h. Defini, que depois da metade da etapa iria parar para abastecer em algum vilarejo, o que acabou acontecendo depois de 45 km de distancia. Achei em Whittlesey, um posto de gasolina, onde parei para me abastecer, sentar, e pensar, que também era gente, mas não somente ciclista. Saiu o sol, fiquei feliz e continuei ate St. Ives, onde cheguei  bem em um dia quente e ensolarado quase as 10 da manhã. St. Ives é atravessada por um rio com um monte de casas de chá na beira. Devido às férias e o dia de sol, o vilarejo estava cheio de turistas aproveitando as amenidades do lugar.  Parei para fazer umas fotos e fiquei com dor de deixar o lugar.

St. Ives na beira do rio

St. Ives na beira do rio

Assim fui para a penúltima etapa St. Ives –Great Easton, de 73 km.  Esta etapa acabou sendo mais difícil do que pensei. Tivemos que atravessar os “fens”, campos de trigo, por estradinhas rurais cheias de “subidinhas e descidinhas” e podem adivinhar com que inclinação. Apareceu o calor, e depois de uns 30 km, parei em Barrington, para abastecer agua, beber uma Coca Cola e comer um sorvete, o que outros ciclistas também fizeram.  E graças a deus que parei, porque depois o relevo piorou, o vento contra nos campos de trigo acirrou, e voltei a pegar uma daquelas subidas de + 10….ou ? sem oportunidade de embalo e com direito a subir a pé (por sorte, foi a última vez).  Como estava  perto do fim da prova, não importava mais nada. Continuei avançando ate chegar em Great Easton, que como todo PC ficava encima de algum morro, as 15h.

Campos de trigo “fens”perto de Debden

Campos de trigo “fens”perto de Debden

O ambiente neste PC era de festa, o sol brilhava e todo mundo sabia que somente faltavam 45 km ate Loughton . Todos se tomavam tempo, eu também, comiamos, bebiamos e todos fomos embora sem pressa.

Nesta etapa a rota passava pelos vilarejos vizinhos a Londres, e deu para perceber um bom aumento de carros circulando nas estradas, e devido ao horário entramos no rush. Dito e feito, tinha-se que prestar bastante atenção no trânsito. E foi assim, que de repente, parando em uma loja para me refrescar sai da rota sem percerber. Por sorte, passou uma tandem de ingleses, Chris e Lindsey, que conheciam muito bem a região, e fui junto com eles ate Loughton onde terminei a prova as 18h 51min. Completando a prova em um pouco mais de 108 horas.

O passaporte completo

O passaporte completo

A recompensa

A recompensa

O que foi realmente engraçado foi que não tive nenhum furo durante toda a prova. Agora, com a medalha no peito, indo para o hotel, a uma distância de uns 100 m da chegada, furou o meu pneu dianteiro. Dei risada, e comecei a trocar. Ai, um pessoal de apoio me ofereceu imediatamente uma bomba. Expliquei o que aconteceu, e rimos juntos, tranquilamente trocando a câmera e depois enchemos o pneu. Agradeci, e pedalei ate o hotel onde um bom quarto com um bom chuveiro estava me esperando.

Assim, chegamos ao fim da nossa aventura onde deu tudo certo. Tenho que dizer que a organização da prova foi excelente. A infraestrutura colocada a disposição nos PCs, que sempre ficavam em alguma escola, tinha tudo, cantina, banheiros, chuveiros, vestiários, dormitórios, auxilio mecânico, enfermaria, etc. e tudo funcionando graças a voluntários bem dispostos e com “know how”.

Gostaria de agradecer a minha esposa e filhos, que me deixaram treinar tantas horas, (que deixei de dedicar a famiíia), aos amigos que me apoiaram, a Marcelo e Mauricio da Ciclo Ravena que me emprestaram mais uma vez a mala bike Thule, para poder transportar a minha bicicleta com segurança, a Martin Montingelli, que com toda paciência me ajudou a configurar e colocar os dados no meu GPS para não me perder em rota, e finalmente a todos os que me apoiaram de alguma forma na minha empreitada para o pais do rei Arthur.

Abraços a todos e bom pedal,

Richard

Fotos: Minhas, Andy Ringrose, Susan Otcenas, Ivo Miesen, Lars Karl Johansson

P.S.: Não acabou, agora já começam os preparativos para a próxima empreitada. Mas, Shhhhh…, é segredo, fica entre nos!

8 respostas em “Relato – London Edinburgh London (LEL) 2013 – Richard Dunner

  1. pôxa.. que relato gostoso ! Acompanhamos os “track logs” pelo site, depois vimos as fotos pelo facebook, e agora o relato… É como se estivéssemos pedalando ali junto 🙂

    Parabéns mais do que merecido Mr. Richardo 🙂

  2. Incrível precisão de detalhes, pois me senti pedalando nos locais em que o Sr. Richard pedalou! Uma verdadeira inspiração para todos nós!

  3. Parabéns por ter concluído a prova e pelo relato, realmente nos da a sensação de estarmos pedalando nessa aventura, as descrições de importantíssima relevância quanto ao planejamento, a preparação da Bike e os incidentes que podem ocorrer em virtude de um acidente, de terceiros, da bicicleta e do próprio cansaço. É Nessa hora que começa o desafio, é colocado a toda prova a experiência, a resistência diante das intempéries e a vontade de superação do ciclista viajante.

  4. Professor Richard,
    Obrigado pelo relato, principalmente pela riqueza de detalhes.
    Fiquei curioso: como resolveu a questão da carga do GPS?
    Obrigado.

    • Oi Giuliano,
      Existem hoje unidades de baterias que carregam o GPS em funcionamento (power chargers ou power tubes). Eu tinha dois comigo com uma potencia de 2200 mAh. Cada um dava duas cargas completas no GPS, que funcionava em teoria 15 horas, mas dependendo das funções utilizadas, como luz de noite, menos. Usava estes a caminho com o GPS em funcionamento. Alem disso comprei mais um na Inglaterra com uma capacidade de 5000 mAh. Com este carregava o GPS enquanto estava parado. Este tipo de carregador é o mesmo que se usa para carregar o iPod ou iPhone. Espero ter respondido a sua pergunta.
      Abraços para Minas e bom pedal,
      Richard

      • Richard
        Muito obrigado pela resposta.
        Abraços
        Nos vemos em breve..
        Giuliano

  5. Parabéns pelo excelente relato, com certeza servirá de inspiração e planejamento quando participar de uma prova tão legal como esta! Abraço

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